"Nzambi a tu bane nguzu um kukaiela"

segunda-feira, 10 de julho de 2017



Antonieta de Barros (1901-1952) foi uma mulher preta-africana, filha de mulher africana que sentiu no corpo o ferro dos grilhões e os açoites do mal, educadora, jornalista e política de carreira, que lutou dentro do Estado e fora dele pela educação de pessoas pobres, que, pelo processo histórico de colonização, escravidão e racismo, é formado em sua grande maioria por pessoas pretas, sendo assim, podemos dizer, sem risco de erro, que a irmã Antonieta de Barros lutou pela alfabetização e educação de crianças pretas; assim como, em consonância com a nascente Imprensa Negra e Frente Negra Brasileira, pelos direitos do povo preto e das mulheres, em especial. Uma das especificidades do racismo no Brasil é negar a questão racial e fazer apologia a um falso discurso canalha que a questão é social e não racial, entretanto, a raça ocupa um local de centralidade em todas as relações no Ocidente, logo, também no Brasil. Antonieta de Barros foi uma das pioneiras na luta institucional contra as opressões de raça e gênero. Nascida em Florianópolis, Santa Catarina, no seio de uma família muito pobre, em um país recém-saído de uma escravização infame e secular, órfã de pai ainda muito cedo, essa nossa irmã, encontrando forças na herança africana de sua mãe, teve que trilhar um longo caminho rumo à superação das dificuldades pessoais e ascensão política, inteiramente dedicada à construção de uma terra mais justa e equilibrada. Logo após concluir os estudos, em 1922, observando o descaso do Estado em relação a uma educação pública destinada aos negros, ela fundou o Curso Particular Antonieta de Barros, que tinha como objetivo oferecer alfabetização e letramento para as pessoas negras; tal iniciativa educacional transcendeu a sua morte, em 1952, e funcionou até o ano de 1964. Imagina quantos irmãos e irmãs pretos e pretas não se alfabetizaram e com isso tiveram uma vida mais amena e menos sofrida! As revoluções as vezes operam no interior do Estado na vida das pessoas. É importante dizer que na diáspora, a educação formal é uma das principais ferramentas de superação das desigualdades sociais para as pessoas pretas (sabemos que a revolução não será feita por meio da educação mas menos ainda sem ela; em uma sociedade liberal e meritocrática a educação é imprescindível, pelo bem ou para o mal, para capacitar e inserir as pessoas no mercado de trabalho agregando mais valor a sua mão de obra). Fora deste curso popular e independente, Antonieta de Barros ministrou durante muitos anos aula de português e literatura em escolas e institutos públicos; além do magistério ela foi diretora de escola. No campo político, devido a grande popularidade que ganhou junto a sua gente e demais pessoas pobres da época e pela sua luta incansável pela educação e cultura, em um contexto no qual o Brasil buscava a todo custo a modernização das estruturas públicas, ela se elegeu como Deputada Estadual, em Santa Catarina, pelo Partido Liberal Catarinense; sendo assim, ela foi a primeira deputada preta deste país túmulo e a primeira deputada mulher por Santa Catarina. Hoje que a democracia burguesa está desgastada e já mostrou para o que veio tal feito pode ser irrelevante, mas, fugindo do anacronismo, se analisar para a época tal fenômeno foi um feito, principalmente porque o voto feminino tinha sido recém-instituído. No cargo, ela foi constituinte em 1935 e dedicou o seu trabalho à Educação, Cultura e Funcionalismo Público. Com a Ditadura do Estado Novo, implantada por Getúlio Vargas, em 1937, ele deixou de atuar dentro do Estado como política e passou a se dedicar ao seu projeto de alfabetização e letramento. Com o fim do Estado Novo, ela se candidatou e mais uma vez, agora como suplente, se tornou deputada estadual. Neste período ela defendeu a racionalização do Estado, lutou pelo fim do nepotismo, dos favorecimentos pessoais e do apadrinhamento dos cargos públicos (uma prática muito comum na história da República no Brasil), e defendeu a concessão de bolsas de estudos destinados aos alunos pobres, a maioria negra. Se analisarmos, ela estava na vanguarda de uma lógica de ações afirmativas e políticas públicas ligadas à educação que somente seriam implementadas após o desmantelo do mito da democracia racial brasileira, nos fins do século XX e início do XXI. Como ativista política e cultural, e também como jornalista, a irmã preta-africana Antonieta de Barros fundou e dirigiu, atuando principalmente na coluna de crônicas, o jornal A Semana, de 1922 à 1927. Os temas de suas crônicas eram o racismo velado existente no Brasil, a condição caricata dos políticos da nação e o machismo hegemônico, herança de um regime patriarcal e escravista. Além disso, com o pseudônimo de Maria da Ilha, ela fundou e dirigiu a revista Vida Ilhoa, que era publicada de quinze em quinze dias. E em 1937, se arriscando como autora, escreveu o livro Farrapos de Ideias. Esse é um pequeno apontamento sobre a vida dessa nossa irmã preta, filha de africana e por definição, africana também, que viveu em uma terra estranha, entre homens brancos, escravistas e estupradores, carniceiros empedernidos, uma terra hostil aos pretos e mais ainda às mulheres pretas, mas com a coragem de rocha e dedicação de rio ela travou uma batalha para melhorar a vida dos seus irmãos de cor e, pela política de branqueamento, de quebra ainda ajudou os tão ingratos brancos pobres que jamais reconheceram os seus privilégios históricos. Seja como for, entendemos que essa irmã, mesmo não tendo um discurso racial contundente, fruto da politica racial brasileira que confunde todos com sua dissimulação assassina, foi uma pan-africanista por essência, pois, mesmo acendendo ao poder, ela jamais esqueceu de onde saiu e muito menos quem era a sua gente. Assim como nos EUA, no Caribé ou África, nosso povo, tendo as mulheres como ponta de lança, travou uma longa jornada de luta e rebeldia, como disse o nosso irmão Malcolm X, "por todos os meios necessários...".

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