"Nzambi a tu bane nguzu um kukaiela"

sábado, 15 de julho de 2017


Audley Moore, nome de nascimento, e Queen Mother Moore, nome de luta e título recebido pelos Ashanti (1898-1997) foi uma preta africana, nascida nos EUA, que, ativista e revolucionária da UNIA (Associação Universal para o Progresso do Negro), de Marcus Garvey, dedicou os seus quase cem anos de vida na defesa do projeto político do nacionalismo preto e do pan-africanismo; também, como líder do povo preto, ela lutou pelos direitos civis e foi uma das fundadoras da República Nova Áfrika; organizadora de greve, promotora de campanhas anti-linchamentos; e, como líder comunitária, ela organizou um movimento que impedia que famílias pretas fossem despejadas e quando essas famílias eram despejadas o seu movimento colocavam os móveis e outros utensílios dentro das casas e faziam piquetes, impedindo que os senhorios se aproximassem ou as retirassem novamente. Nascida no sul, com um histórico de violência branca na família, pois quando criança ouviu as histórias sobre o linchamento de um dos avós e o estupro da avó, uma africana outrora escravizada, ela sentiu na pele os horrores praticados pelos demônios contra os seus irmãos de cor e origem e isso influenciou em sua vida de entrega, dedicação e luta. Por conta do racismo, Queen Moore teve que abandonar muito cedo a escola, para trabalhar e ajudar a família, e a imagem que mais marcou aquela criança era a humilhação, prisões arbitrárias, espancamentos e linchamentos dos homens pretos, humilhação e desprezo; ela conta que naquela época era muito comum os policiais brancos prenderem os homens pretos para depois estuprarem as suas mulheres. Perdida e se sentindo impotente neste Sul branco e segregado, após ouvir, em Nova Orlens, um discurso de Marcus Garvey ela se converteu ao nacionalismo preto e se mudou, após peregrinação por várias cidades dos EUA, para o Harlen, Nova Iorque, onde se filiou à UNIA e iniciou a sua longa jornada de luta rumo a liberdade do povo preto. Neste contexto, ela participou da organização da Primeira Convenção Internacional de Garvey; foi acionista da Black Star Line (empresa marítima criada por Marcus Garvey que tinha como objetivo estreitar as relações entre a África e a diáspora africana, assim como possibilitar o retorno dos africanos para o continente mãe); fundadora e presidente da Associação Universal das Mulheres Etíopes, do Comitê de Reparações para Descendentes dos Escravos dos EUA, da Fundação Cultural Afro Americana e co-fundadora da Associação de Harriet Tubman, entre outras ações de autodeterminação; por esses feitos, Queen Moore se tornou uma lenda na história africana no século XX. No ativismo político, dentro de uma perspectiva pan-africanista e internacionalista, ela foi até a ONU acusar os Estados Unidos de genocídio e exigiu autodeterminação, reparação e, como nacionalista preta, principalmente terra, para os africanos nos Estados Unidos que eram descendentes dos africanos escravizados durante o tráfico transatlântico; outros pontos inseridos em sua petição era que o governo americano deveria garantir o subsídio completo para os africanos que desejassem voltar para a África. Solicitações essas que não foram atendidas pela supremacia branca, como já era de se esperar, entretanto, tais elementos serviram de subsídios para direcionar a luta preta nos Estados Unidos e foi uma antítese ao racismo, elevando tanto a autoestima quanto programas políticos que de fato trouxeram avanços para os pretos naquele país. Durante um tempo, após o desmantelo da UNIA e prisão e deportação de Marcus Garvey, por parte do governo supremacista dos EUA, ela se aproximou do Partido Comunista Americano, mas quando ela percebeu que tal partido tinha como programa político apenas a utilização dos pretos como massa de manobra, automaticamente, Queen Moore se afastou e continuo de forma autônoma o seu trabalho; o seu pan-africanismo e nacionalismo preto se tornaram mais consistentes por causa dessa experiência traumática de racismo velado. E, nessa época, ela defendeu enfaticamente a revolta Mau-Mau do Quênia e condenou publicamente o governo britânico pelo massacre perpetrado contra os povos colonizados da África, principalmente contra os o povo kykuyu – etnia base dos Mau-Mau. Neste caminho, enquanto isso, aos poucos ela foi se aproximando de Malcolm X e suas ideias. Por decorrência disso, ela se filiou na OUAA (Organização da Unidade Afro-Americana, organização pan-africanista e nacionalista preta criada por Malcolm X, após a sua ruptura com a Nação do Islã, que tinha como objetivo a autodeterminação e a libertação dos pretos nos EUA e ajuda permanente aos pretos de todo o mundo) e passou a lutar nas comunidades implantando escolas que defendessem tal programa político. Era de fato uma rainha africana, uma incansável pan-africanista por essência. Pela sua luta pan-africana, no ano de 1972, ela foi homenageada pelo povo Ashanti, durante o funeral de Kwame N’krumah em Gana, e recebeu o título de chefe Rainha Mãe; nesta dimensão internacional ela lutou pela liberdade de Nélson Mandela e pelo fim do apartheid que assolava as terras da África do Sul e mantinha o povo preto em uma espécie de escravidão contemporânea. Participou do sexto Congresso Pan-Africano, na Tanzânia. Outra característica dessa perseverante nacionalista era o seu repúdio a política imperialista dos EUA e a busca incansável da implementação dos direitos humanos. A sua última aparição pública, sempre na luta pelo seu povo, foi em 1995 na Marcha de um milhão de homens, organizada pelo nacionalista preto e ministro da Nação do Islã Louis Farrakhan. Como podemos notar, as mulheres africanas foram linha de frente da luta pan-africanista no mundo, seja nos quilombos, seja nos candomblés ou mesmo dentro da lógica de luta oferecida pela modernidade ocidental, enfim, elas sempre estiveram lá, lutando não somente pelos direitos das mulheres mas pelo direito do povo preto em sua totalidade. Que honremos essa nossa grande rainha-mãe, uma pan-africanista por essência, que, quando questionada sobre a condição do preto no mundo, dizia aos mais jovens:  “não havia mais nada a fazer do que lutar”. Tal frase traduz a vida desta mulher que dedicou a vida ao seu povo. O que causa estranheza e mesmo tristeza é saber que muitas pessoas pretas conhecem e reverenciam referências brancas que lutaram pelo direito das mulheres brancas e contra os pretos mas nem sequer ouviram falar ou tensionaram buscar a história de irmãs como Queen Mother Moore; isso mostra o quão colonizados nós somos.

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