"Nzambi a tu bane nguzu um kukaiela"

sábado, 5 de setembro de 2009

Educação Para os Pretos (Mariana Semião)



Muito antes da chegada do branco na África, os africanos já possuíam seus próprios sistemas educacionais. Cada família africana ensinava aos seus próprios filhos as habilidades necessárias para ganhar a vida e para fazer deles membros úteis e importantes à comunidade. Muitas vezes formavam-se organizações especiais para treinar os jovens nos costumes e tradições locais. A educação das crianças era tarefa doméstica e esta aprendia a preservar os valores do mundo dos mais velhos e de seus ancestrais. É com o advento do cristianismo que surge e se espalha por todo o mundo, a escola pública mantida pelos cofres dos municípios. Centenas de anos antes que os brancos trouxessem o seu tipo de sistema educacional para a África, já existiam universidades africanas no norte da África, e em Gao e Tombucutu, Antigo Mali. Ainda hoje, muitos livros omitem esse importante dado da história da educação africana ao afirmar que foi com a chegada dos brancos e devido a seus “esforços” missionários que se inicia a educação no continente africano. Nosso povo, ao iniciar seus filhos em um ambiente não-escolar, já sabia que a escola não é o único nem menos o melhor lugar onde a educação acontece. O termo educação extrapola os muros da escola e por isso também acredito que esse não é o local onde melhor podemos instruir nossas crianças pois é o espaço no qual experienciam mais ativamente relações de discriminação e preconceito. A escola posta como está no Brasil, está estruturada e organizada para o modo de vida dos opressores. A educação dentro desse sistema, contribui para confirmar a aparente legalidade dos atos dos brancos e por isso não serve para ser a educação do povo preto. Para isso, precisamos estar com nossas crianças o maior tempo possível e propiciar a elas momentos de contato com a natureza pois temos uma relação muito forte com essa força. Também devemos incentiva-las a ter o hábito pela leitura (contando histórias indo a bibliotecas, livrarias, bancas de revistas, dando livros de presente) e escutar as histórias contadas por outras gerações. O melhor que podemos oferecer para nossas crianças é a convivência familiar e entre pessoas que compartilhem a mesma ideologia de resistência e luta que possuímos. É essa a educação que defendemos para criarmos homens e mulheres pretos conscientes, fortes e guerreiros. Ao defender que as crianças pretas em sua primeira infância (0 – 6 anos), necessitem primordialmente da educação doméstica, não digo que nós não devemos freqüentar, a escola. Acredito que a escola formal tem sua importância em nossas vidas pois compete à ela transmitir e sistematizar conteúdos socialmente acumulados. Mas esse ambiente deve ser inserido na vida de nossas crianças a partir dos 6 ou 7 anos de idade, momento em que elas expressarem seus sentimentos, pensamentos e reflexões com maior complexidade, por mais democrática e com uma proposta “aberta a diversidade” que uma escola diz, ser, ela sempre estigmatiza e rotula nossas crianças. Nossa formação como homens e mulheres filhos da África, nossa visão de um mundo, independe da educação formal. Essa consciência temos devido a nossos pais, nossas vidas, nossos encontros. Por isso, mais uma vez afirmar o quão importante é termos nossos irmão, filhos, sobrinhos, junto de nós o maior tempo possível.

Mariana Semião

(UCPA – Nº 02 de 09/2002)

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