"Nzambi a tu bane nguzu um kukaiela"

terça-feira, 2 de agosto de 2016

PATERNIDADE PRETA (Gilza Marques) publicado originalmente no dia dos pais de 2015

Talvez uma das relações mais destruídas pela escravidão tenha sido a paternidade preta. A justa reclamação de muitos filhos e filhas da ausência desse pai não é recente. Ela dura mais de 500 anos.
Durante mais de 350 anos, esse pai era um “escravo reprodutor”: um homem preto era escolhido e obrigado a engravidar dezenas de “fêmeas” com as quais, mais tarde, ele não teria contato. Em outros casos, mesmo que o pai quisesse manter contato com esse filho, ele era proibido e, se insistisse, era assassinado. Pro sistema racista da escravidão, o filho não era dele, mas propriedade do homem branco, que era também dono de sua “esposa”, da terra, de tudo.
A figura da maternidade preta, diferentemente, se manteve um pouco mais. Essas crianças precisavam ser amamentadas e cuidadas até que pudessem começar a trabalhar. Por tudo isso e mais um pouco, dizer que os pais pretos simplesmente abandonam os filhos porque são machistas, é não conhecer nossa história. Nosso drama racial não permitiu a paternidade negra durante quase 4 séculos, e hoje a gente colhe os danosos frutos disso.
Eu tive um pai maravilhoso, e por isso sei que homens pretos podem ser pais maravilhosos. Ele era presente, carinhoso, sensível, meio ranzinza, muito chorão. Durante minha escola e faculdade, ele me levava e me buscava no ponto de ônibus TODO SANTO DIA. Quando eu nasci ele tinha um black enorme (vou buscar essa foto!) e foi com ele que eu aprendi sobre a militância. Ele amava Edson Gomes e Jimmy Cliff. Ele tinha o maior orgulho de mim e eu dele. Sinto muita falta dele, eu o perdi em 2009.
Um abraço caloroso para todos os papais pretinhos do meu face. Saudações às mulheres que criaram/criam seus filhos sem pais.
Feliz dia dos pais aos pais que estão “dentro do modelo”, mas também aos que bebem, aos que perderam a sanidade, aos que estão encarcerados, aos que vivem na rua, no mundo. Feliz dia dos pais aos pretinhos gays que estão lidando com o sistema racista da adoção.
Desejo que possamos ir reconstruindo as nossas famílias pretas. Exercer a paternidade preta, essa paternidade-resistência, faz parte indiscutível desse processo. Muito amor para as famílias pretas neste domingo. Temos muito trabalho de amor a fazer entre nós.

PATERNIDADE PRETA (Gilza Marques) publicado originalmente no dia dos pais de 2015

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